Atadinhos
Do artigo Uma geração de "atadinhos" da Notícias Magazine deste domingo:
(...) decidimos fazer tudo diferente [dos nossos pais]. Mas como na prática o único exemplo concreto de pais que temos é o dos nossos, acabamos num estilo de educação que muitas vezes é uma miscelânea venenosa entre os primeiros impulsos (tudo aquilo que jurámos nunca fazer igual), e as boas práticas sobre as quais lemos, e que zelosamente queremos aplicar.
(...) aprendemos pelas experiências, pelas boas, claro, mas sobretudo pelas más. Sermos rejeitados pelos outros, sentirmo-nos desiludidos ou tristes, são sentimentos com que temos de aprender a lidar, e são sentimentos que nos obrigam a "ir para fora cá dentro", ou seja, a pararmos de ouvir o mundo lá de fora, para escutarmos o que aquelas sensações nos estão a querer dizer. Conhecer a tristeza e a frustração, ajuda-nos não só a familiarizar-nos com sentimentos que estarão presentes em quase todos os momentos da nossa vida, mas também a perceber que não são eternos e que temos recursos próprios para os combater. Essa é uma aprendizagem que ninguém pode fazer por nós, mas que nós adultos tendemos a querer poupar aos filhos.
Por isso, sim, custa e dói, mas é preciso deixá-lo ser infeliz às vezes, sem cairmos sobre eles quais águias em voo picado, enchendo-o de ruído - o das nossas perguntas e ansiedades - que não o deixa escutar-se a si mesmo.
Não lhe aperte os atacadores (porque não sabe), não lhe tire a colher da mão (porque suja), não aldrabe o papel para a professora a dizer que ele não fez os TPC porque estava doente quando não estava (para o coitado, não apanhar um castigo), não lhe adiante a semanada, porque ele se "esqueceu" que ainda não tinha pago o bilhete para o concerto, etc.
Eles não são frágeis. Deixe lá de ter pena deles, e tenha mais é um bocadinho de pena de si, que se esfola a trabalhar, a ser mãe e pai, a fazer tudo bem, a não provocar traumas no menino e a tratar de que não lhe falte nada.
Espere até levar uma daquelas respostas de caixão à cova, das que acertam onde dói e revelam que ele a conhece de gingeira, e depois vai perceber quem é o forte e o fraco nesta história.
"Queria tanto que os meus pais tivessem outro hobby para além de mim", disse uma adolescente de 15 anos ao seu psicólogo (...) Pois é, é o que dá termos cada vez menos filhos e cada filho ser considerado cada vez mais como o grande investimento, a grande compensação, a grande fonte de felicidade. Se os nossos pais nos deram a ideia de que só tínhamos era de lher agradecer por nos terem dado a vida, mandado à escola e enchido o prato com comida, nós - nos antípodas - agradecemos de cinco em cinco minutos aos nossos meninos o grande favor que fizeram em nascer, em falar connosco, em pôr o prato que sujaram na máquina, (...)
"Se soubéssemos que cada um dos nossos desenhos acabava colado no frigorífico dos nossos pais, quem é que brincava com os lápis, fazia disparates com o papel ou arriscava uma "obra" mais criativa?", diz Anderegg [psicólogo] à Psychology Today [revista].
(...) as crianças são supostas interiorizar a imagem do pai e da mãe e dos adultos que para elas são relevantes, de forma a que possam fisicamente abandoná-los, sem que se sintam abandonados. Ou seja, é preciso que consigam levar os pais dentro de si! Esta aquisição é fundamental para que se façam ao caminho e para que, em momentos em que são obrigados a tomar decisões, possam ir buscar esses recursos e pensar "o que é que o meu pai fazia se estivesse aqui?" (...) Mas não, os meninos agora não interiorizam os valores e as "lições" dos adutos, mas antes a ideia do "tenho de falar à minha mãe" ou até tão-somente um número de telefone!
Deixá-los brincar muito, sem interferir. Se brincarem o suficiente vão ser sempre capazes de encontrar, sozinhos, sem chamadinhas nem "toques" para os pais, o caminho que melhor lhes convém. Vão ser capazes de, sem ajuda da mãezinha nem o dinheiro do papá, contruir uma relação amorosa e uma vida à sua maneira. Para os pais fica a parte mais difícil: entender que estas crianças não lhes pertencem, e como dizia aquela adolescentes, a única alternativa saudável que lhes resta é a de encontrarem hobbies alternativos ao de, com todo o amor e a melhor das intenções, estragar a vida dos seus filhos. Transformando-os em atadinhos, wimps, bananas, ou seja lá o que o calão da altura lhes decidir chamar.
(...) decidimos fazer tudo diferente [dos nossos pais]. Mas como na prática o único exemplo concreto de pais que temos é o dos nossos, acabamos num estilo de educação que muitas vezes é uma miscelânea venenosa entre os primeiros impulsos (tudo aquilo que jurámos nunca fazer igual), e as boas práticas sobre as quais lemos, e que zelosamente queremos aplicar.
(...) aprendemos pelas experiências, pelas boas, claro, mas sobretudo pelas más. Sermos rejeitados pelos outros, sentirmo-nos desiludidos ou tristes, são sentimentos com que temos de aprender a lidar, e são sentimentos que nos obrigam a "ir para fora cá dentro", ou seja, a pararmos de ouvir o mundo lá de fora, para escutarmos o que aquelas sensações nos estão a querer dizer. Conhecer a tristeza e a frustração, ajuda-nos não só a familiarizar-nos com sentimentos que estarão presentes em quase todos os momentos da nossa vida, mas também a perceber que não são eternos e que temos recursos próprios para os combater. Essa é uma aprendizagem que ninguém pode fazer por nós, mas que nós adultos tendemos a querer poupar aos filhos.
Por isso, sim, custa e dói, mas é preciso deixá-lo ser infeliz às vezes, sem cairmos sobre eles quais águias em voo picado, enchendo-o de ruído - o das nossas perguntas e ansiedades - que não o deixa escutar-se a si mesmo.
Não lhe aperte os atacadores (porque não sabe), não lhe tire a colher da mão (porque suja), não aldrabe o papel para a professora a dizer que ele não fez os TPC porque estava doente quando não estava (para o coitado, não apanhar um castigo), não lhe adiante a semanada, porque ele se "esqueceu" que ainda não tinha pago o bilhete para o concerto, etc.
Eles não são frágeis. Deixe lá de ter pena deles, e tenha mais é um bocadinho de pena de si, que se esfola a trabalhar, a ser mãe e pai, a fazer tudo bem, a não provocar traumas no menino e a tratar de que não lhe falte nada.
Espere até levar uma daquelas respostas de caixão à cova, das que acertam onde dói e revelam que ele a conhece de gingeira, e depois vai perceber quem é o forte e o fraco nesta história.
"Queria tanto que os meus pais tivessem outro hobby para além de mim", disse uma adolescente de 15 anos ao seu psicólogo (...) Pois é, é o que dá termos cada vez menos filhos e cada filho ser considerado cada vez mais como o grande investimento, a grande compensação, a grande fonte de felicidade. Se os nossos pais nos deram a ideia de que só tínhamos era de lher agradecer por nos terem dado a vida, mandado à escola e enchido o prato com comida, nós - nos antípodas - agradecemos de cinco em cinco minutos aos nossos meninos o grande favor que fizeram em nascer, em falar connosco, em pôr o prato que sujaram na máquina, (...)
"Se soubéssemos que cada um dos nossos desenhos acabava colado no frigorífico dos nossos pais, quem é que brincava com os lápis, fazia disparates com o papel ou arriscava uma "obra" mais criativa?", diz Anderegg [psicólogo] à Psychology Today [revista].
(...) as crianças são supostas interiorizar a imagem do pai e da mãe e dos adultos que para elas são relevantes, de forma a que possam fisicamente abandoná-los, sem que se sintam abandonados. Ou seja, é preciso que consigam levar os pais dentro de si! Esta aquisição é fundamental para que se façam ao caminho e para que, em momentos em que são obrigados a tomar decisões, possam ir buscar esses recursos e pensar "o que é que o meu pai fazia se estivesse aqui?" (...) Mas não, os meninos agora não interiorizam os valores e as "lições" dos adutos, mas antes a ideia do "tenho de falar à minha mãe" ou até tão-somente um número de telefone!
Deixá-los brincar muito, sem interferir. Se brincarem o suficiente vão ser sempre capazes de encontrar, sozinhos, sem chamadinhas nem "toques" para os pais, o caminho que melhor lhes convém. Vão ser capazes de, sem ajuda da mãezinha nem o dinheiro do papá, contruir uma relação amorosa e uma vida à sua maneira. Para os pais fica a parte mais difícil: entender que estas crianças não lhes pertencem, e como dizia aquela adolescentes, a única alternativa saudável que lhes resta é a de encontrarem hobbies alternativos ao de, com todo o amor e a melhor das intenções, estragar a vida dos seus filhos. Transformando-os em atadinhos, wimps, bananas, ou seja lá o que o calão da altura lhes decidir chamar.
10 Comments:
Tenho pensado nisto tantas vezes...
É duro mas é verdade. E tantas vezes que eu disse isto na mais pura das teorias, para na prática me ver a cair nestes erros...
Eu li ontem!!
E concordei tanto!!
Não é de agora, cheira-me que esses adultos que com mais de 30 e sem necessidade ainda vivem com os pais já foram educados como atadinhos.
Felizmente não foi o meu caso.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
sabes o que é que assusta? é que numa sociedade onde a informação é, de facto, cada vez mais acessível vêem-se cada vez mais casos assim. de pais cujo principal hobby são os filhos. não é um julgamento, isto. é uma constatação. porque, na verdade, a informação a que temos acesso pode ser usada para os dois lados: o bom e o mau. quem decide somos nós. e, sim, custa muito ter um filho. custa-nos a vida e a nossa vida acaba por ser a deles sem que nos apercebamos que eles, os filhos, têm de viver a deles e não levar com a nossa às costas. mas deve custar tanto, tanto deixar que eles caiam, se magoem, se desenrasquem sozinhos! queremos tanto ajudar, estar completamente lá que os sufocamos. e depois chega o dia em que eles não estão, por um motivo qualquer.e é aí que o peso de todas as ajudas "a mais" cai todo direitinho em cima deles.
desculpa a extensão disto tudo. nem sei se fez muito sentido escrevi o que foi saindo. ;)
beijinhos.
Clara: Exactamente. Eu acho que a primeira fornada de atadinhos tem agora entre vinte e tal anos.
Não, conheço alguns com (bem) mais de trinta.
então não sei o que isso é? vivo diariamente o drama de um filho que não consegue fazer aos 30 aquilo que devia ter feito aos 20! é muito complicado, cabe-nos a nós não repetir a dose
Este texto está mesmo fabuloso!
Ainda bem que o trouxeste para aqui!
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